RESUMO
A escaldadura-das-folhas (Xanthomonas albilineans)
é uma das principais doenças da cana-de-açúcar devido ao dano que
causa e à dificuldade da sua correta identificação, especialmente
quando a planta, embora infectada, não apresenta sintomas visíveis
(fase latente da doença). Essa característica faz com que sua
disseminação para novas áreas ocorra através do plantio de toletes
aparentemente sadios. A redução na produtividade ocorre quando, em
condições de stress hídrico, plantas passam a exibir sintomas
crônicos e agudos da doença. Como a maioria das variedades comerciais
atualmente cultivadas no Brasil são portadoras assintomáticas da
doença, a correta diagnose da doença se constitui numa das principais
medidas para o sucesso do controle. O presente trabalho objetivou
examinar a eficiências de diferentes métodos diagnósticos de X. albilineans.
Dados obtidos demonstraram que o método clássico de isolamento do
patógeno em meio de cultura a partir da seiva dos internódios do
colmo não foi confiável enquanto o método de amplificação por PCR
detectou a bactéria em plantas com os três diferentes sintomas da
doença.
Palavras-chave adicionais: Diagnose, sintoma latente, DNA, PCR, Saccharum.
A
crescente conscientização dos graves problemas ambientais advindos da
queima de energia fóssil faz com que todos os países do mundo
procurem por fontes alternativas viáveis que possam substituir o
petróleo. Nesse sentido, o Brasil se destaca por ter sucesso na
substituição de uma fonte altamente poluente por uma renovável, que
tem se mostrado economicamente viável graças à cana-de-açúcar. O
etanol produzido da cana tem se mostrado uma alternativa confiável de
substituição à gasolina nos motores automotivos, principalmente após
o advento dos carros bicombustível. Some-se ainda a utilidade da
cana-de-açúcar como fonte de energia, visto que após a retirada do
suco (transformado posteriormente em açúcar ou etanol), o bagaço e a
palha são usados na co-geração de energia fornecendo energia
térmica, elétrica e mecânica, tanto para consumo da própria usina
como para venda às companhias elétricas.
A
demanda por etanol aumenta a cada ano devido à procura pelos carros
flex, que cresce a uma proporção maior que a produção de
cana-de-açúcar, fazendo com que a procura por esse tipo de carro seja
maior que a produção de etanol hidratado. O açúcar também sofre uma
forte valorização, pois tanto a safra brasileira, que responde por
44% do comércio mundial, como a indiana, outro grande fornecedor,
sofreu redução da produção fazendo com que a perspectiva para a
cana-de-açúcar do Brasil seja altamente favorável (1).
As
estratégias que as usinas estão usando para atender à crescente
demanda pelo produto se concentram na expansão da cultura para novas
áreas e no aumento de produtividade em regiões tradicionais. A área
com a cultura teve aumento significativo nos principais estados
produtores na safra 2011/2012, onde S. Paulo se destacou com expansão
de 203.834 ha da área existente, Minas Gerais com 152.427 ha, Goiás
com 123.485 ha, Mato Grosso do Sul com 58.488 ha e Mato Grosso com
18.192 ha, totalizando 621.505 ha em todo o país (1). Esse constante
incremento de novas áreas traz uma preocupação aos pesquisadores
envolvidos com a cultura, pois muitas doenças importantes podem ser
disseminadas através das mudas empregadas nessa expansão. Doenças
como mosaico (Sugarcane mosaic virus), o raquitismo-da-soqueira (Leifsonia xyli subsp xyli), a escaldadura das folhas (Xanthomonas albilineans) e o carvão (Sporisorium scitamineum) tem nos toletes um eficiente meio de disseminação para novas áreas (8).
Dentre
essas, a escaldadura das folhas é considerada uma das mais graves
por afetar a qualidade do caldo da cana (9), causar morte de plantas
em extensas áreas (4), estar disseminada em praticamente todas as
regiões produtoras do Brasil e do mundo e ser de difícil
identificação por apresentar sintoma latente (8).
A
utilização de toletes provenientes de plantas doentes, porém
assintomáticas faz com que a doença se dissemine facilmente para
outras regiões. Uma vez plantada no campo, e sob condições de
estresse climático, canas aparentemente sadias começam a apresentar
sintoma agudo de escaldadura com queima das folhas, colapso súbito e
morte de plantas (4). Relatos de ocorrência da doença e conseqüente
dano à produtividade foram verificados nos Estados Unidos, México,
Guatemala e Cuba (9).
Portanto,
uma das principais medidas de controle da doença se concentra na sua
correta diagnose, principalmente das canas assintomáticas, para que
as mesmas possam ser descartadas antes dessas serem utilizadas como
mudas. No Brasil, apesar da importância da cultura para a economia
brasileira, pouca informação está disponível sobre os métodos que
poderiam ser empregados para o exame diagnóstico da
escaldadura-das-folhas.
Dentre
os métodos de diagnose conhecidos estão o isolamento em meio de
Wilbrink (8) ou meio semi-seletivo (3), sorológicos com antissoro
mono ou policlonal (2) e os moleculares baseados na técnica de em
PCR, com emprego de diversos conjuntos de "primers" (7,10).
Devido
à falta de consenso sobre o método mais sensível de detecção da
bactéria, já que para alguns pesquisadores o isolamento em meio semi
seletivo se mostrou muito mais sensível que os métodos sorológicos e
PCR (10), enquanto que para outros, a detecção da bactéria por
isolamento em meio de cultura e sorologia a partir dos sintomas
latentes não é confiável pela baixa concentração ou distribuição
desigual do patógeno dentro dos tecidos da planta (2,3,6), o presente
trabalho objetivou comparar o método de diagnose por isolamento do
patógeno com o método baseado na amplificação de DNA total por PCR,
utilizando-se de "primers" específicos.
Dez
touceiras distintas do clone RB955434 com 12 meses de idade e que
apresentavam perfilhos com os três tipos de sintomas de
escaladadura-das-folhas foram empregadas nesse trabalho. De cada
touceira foram separadas perfilhos com cada tipo de sintoma,
extraindo-se, por centrifugação a 3000rpm por 15 min a seiva do
internódio mais basal, mediano (quinto ou sexto entrenó) e apical
(nono ou décimo entrenó).
A constatação da presença de X. albilineans
foi feita por dois métodos. No método convencional, 100 µl da seiva
obtida dos diferentes internódios foram espalhados na superfície da
placa de Petri com Wilbrink (8) ou XAS sem inibidores (3) em três
repetições para cada um dos internódios, totalizando 90 amostras para
cada um dos meios de cultura. A incubação foi feita a 26º C, no
escuro, por 6-7 dias, já que após esse período o crescimento das
bactérias impossibilitava a individualização das mesmas. A
confirmação da presença da bactéria em ambos os meios foi realizada
pelo método molecular, após purificação das colônias suspeitas.
No
método molecular, o DNA total foi extraído de 1,5 g de tecido dos
diferentes internódios provenientes de perfilhos com os diferentes
tipos de sintoma, de acordo com Murray & Thompson (5). As
condições de amplificação por PCR foram realizadas segundo Pan et al.
(7) utilizando-se os "primers" PGBL1 e PGBL2 propostos pelos
autores. Os produtos da amplificação foram visualizados por meio de
eletroforese em gel de agarose 2% e tampão 1 X de Tris-Borato-EDTA
corados com brometo de etídio. Duas amostras foram empregadas como
controle negativo: isolado de X. campestris pv. campestris,
proveniente de couve e água milliQ autoclavada em substituição ao
DNA molde. Como controles positivos também foram utilizados amostras
de cultura pura de X. albilineans isolado ScXa01-01 e de seiva de uma planta com sintoma agudo de queima das folhas e brotação lateral causada pela doença.
A
obtenção dos três tipos de sintomas distintos que caracterizam a
escaldadura-das-folhas na cana-de-açúcar numa mesma touceira foi o
diferencial que permitiu a condução deste trabalho. Esse tipo de
amostragem não tinha sido empregada nos estudos realizados
anteriormente (2,10) e permitiu comparar a eficiência dos diferentes
métodos diagnósticos de escaldadura-das-folhas, em função dos
sintomas apresentados pela planta doente.
Muitos fungos e colônias bacterianas de diferentes morfologias foram obtidos nos dois meios de cultura empregados. Das colônias bacterianas, todas aquelas semelhantes a X. albilineans,
que se caracterizam por coloração amarela brilhante, convexas,
bordos lisos, viscosas e não mucóides (8), foram posteriormente
submetidas a diagnose molecular, o que permitiu avaliar com segurança
a eficiência de cada meio de cultura em isolar a bactéria. O
isolamento em meio de cultura XAS sem inibidores se mostrou mais
eficiente que o de Wilbrink visto que crescimento do patógeno foi
verificado em amostras de caldos advindos dos três tipos de sintomas,
embora os valores da porcentagem de detacção do patógeno tenham sido
distintos em função da posição do internódio no colmo e do tipo de
sintoma. No entanto, nenhuma das dez amostras advindas dos colmos da
região mediana da planta com sintoma latente apresentou crescimento
positivo do patógeno. O meio de cultura Wilbrink teve desempenho
inferior ao de XAS, não apresentando crescimento da bactéria nas
amostras com sintoma latente e mesmo em plantas sintomáticas, o nível
de detecção não ultrapassou 30%. Nos dois meios de cultura
empregados, a recuperação da bactéria se deu de forma errática, não
apresentando correlação ao tipo de sintoma e posição do internódio no
colmo da planta. Em plantas com sintoma latente a porcentagem de
crescimento da bactéria foi zero (meio Wilbrink) ou muito baixo (meio
XAS sem inibidores) e mesmo nas sintomáticas a eficiência de
detecção pode ser considerada baixa.
Nenhuma tentativa de incorporação de inibidores para aumentar a
eficiência desses meios foi realizada, embora o meio XAS tenha tido
um desempenho superior ao de Wilbrink na detecção de X. albilineans.
Esses
dados do presente trabalho estão de acordo com os observados por
Comstock et al. (2). Os autores verificaram que quando o método de
detecção de X. albilineans for feito através do isolamento da
bactéria em meio de cultura, a posição do internódio no colmo da
planta para a extração do caldo teve influência na recuperação da
bactéria, apresentando portanto, baixa confiabilidade. Entretanto,
segundo Davis et al. (3), em estudos realizados para avaliar métodos
de isolamento e imunológicos na detecção de X. albilineans, o
isolamento em meio semi-seletivo foi o método mais eficiente de
detecção. Resultados semelhantes foram também descritos por Wang et
al. (10).
De
acordo com a literatura, os métodos imunológicos de detecção da
bactéria, como ELISA ("Enzime-linked Immunosorbent Assay") e TBIA
("Tissue Blot Enzime Immunoassay") (2,3,10), também apresentam falhas,
sendo que nenhum deles foi capaz de detectar a doença em 100% dos
casos, mesmo em plantas sintomáticas. As razões para tal insucesso
variaram desde alto nível de contaminação por outras bactérias
habitantes dos vasos condutores da cana-de-açúcar (3), a distribuição
desuniforme da bactéria nas diferentes partes da planta (9) e baixo
título da bactéria na seiva extraída de colmos de cana com sintoma
latente quando comparado com os caldos de plantas sintomáticas (3).
No presente trabalho, a superioridade do método molecular ficou
evidente pela detecção em 100% dos casos, independentemente do tipo
de sintoma apresentado pela planta e o local de retirada da seiva no
internódio da planta.
Os produtos de PCR obtidos a partir de caldos advindos de colmos da
parte basal, mediana e superior de plantas assintomáticas, resultaram
em um fragmento específico esperado de 288 pares de bases (PB).
A
crescente mecanização na cultura de cana-de-açúcar faz com que o
método diagnóstico de doenças ganhe destaque e seja um dos principais
requisitos para o sucesso das estratégias de controle de doenças.
Isso porque o material propagativo empregado na implantação da
cultura pode servir de fonte de inóculo primário de doenças que são
transmitidas através de mudas contaminadas (8), especialmente a longas
distâncias, em áreas novas de expansão da cultura de cana-de-açúcar,
o que está ocorrendo em todas as regiões produtoras do Brasil
(1). Uma vez a doença instalada na lavoura, a transmissão para outras
plantas dentro do mesmo campo vai se dar especialmente através de
facões e colheitadeiras (9). Nesse contexto, o presente trabalho mostrou
que o método diagnóstico molecular foi eficiente em 100% das
amostras de plantas doentes assintomáticas, se constituindo em
ferramenta importante na detecção da escaldadura-das-folhas.
Embora
a técnica BIO-PCR tenha apresentado melhores resultados que o PCR
normal na detecção de escaldadura-das-folhas (10), resultados do
presente estudo demonstraram que o PCR convencional pode ser o
empregado pois conseguiu detectar a doença de todas as plantas
assintomáticas. A técnica BIO-PCR necessita que o patógeno cresça em
meio artificial por quatro dias enquanto no presente trabalho a
extração do DNA do tecido foi feita em um dia, proporcionado uma
rapidez na diagnose, sem gasto adicional de tempo, vidraria e
reagentes.
URASHIMA, Alfredo Seiiti; ZAVAGLIA, Aline Cristine.
Comparação de dois métodos diagnósticos de escaldadura-das-folhas (Xanthomonas albilineans) da cana-de-açúcar. Summa phytopathol.,
Botucatu,
v. 38,
n. 2, jun.
2012
.
Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-54052012000200009&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em
28
nov.
2012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-54052012000200009.
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