OBJETIVO: avaliar um novo método de determinação do sexo fetal pela análise de DNA obtido do plasma materno.
MÉTODOS:
sangue periférico (10 mL) foi coletado de mulheres grávidas em
diferentes idades gestacionais. O plasma foi separado e o DNA isolado do
mesmo foi submetido à reação em cadeia da polimerase (PCR) com
oligonucleotídeos iniciadores derivados do gene DYS14 específico do cromossomo Y.
RESULTADOS:
foram analisadas amostras de 212 pacientes. O resultado da PCR foi
comparado ao sexo determinado pela ultra-sonografia e/ou do nascimento.
Houve concordância em 209 das 212 pacientes. Nos 3 casos discordantes a
PCR apontou resultado feminino, sendo as três amostras coletadas antes
da 8ª semana de gravidez.
CONCLUSÃO: o método de PCR desenvolvido
para a determinação do sexo fetal possui excelente sensibilidade e
especificidade, permitindo seu uso rotineiro. O resultado de sexo
masculino possui maior confiabilidade que o feminino, principalmente em
idade gestacional precoce. Novas aplicações para o DNA fetal no plasma
materno estão sendo pesquisadas, permitindo no futuro o diagnóstico não
invasivo de uma série de doenças.
Palavras-chave
:
PCR - Reação em cadeia da polimerase; DNA plasmático; Sexo fetal.
Introdução
O
desenvolvimento e aprimoramento de técnicas não invasivas de
diagnóstico são objetivos constantemente almejados na medicina. As
técnicas de diagnóstico por imagem representam uma face muito
importante deste processo, e os métodos laboratoriais baseados em
amostras biológicas uma segunda vertente.
O
diagnóstico pré-natal de uma série de intercorrências requer o uso
de métodos invasivos, como a realização de biópsia de vilosidade
coriônica ou a obtenção de líquido amniótico, com risco significativo
de perda do feto. Nesse contexto, técnicas não invasivas de
amostragem de células fetais têm sido intensamente pesquisadas há
muitas décadas1.
Em 1989, Lo et al.2
demonstraram ser factível a análise destas células fetais presentes
na circulação materna por método de biologia molecular, a reação em
cadeia de polimerase (PCR). O isolamento de células fetais da
circulação materna é tecnicamente bastante complexo, sendo ainda hoje
pouco realizado3, aumentando o interesse por técnicas que prescindam do isolamento das células fetais.
Alguns anos mais tarde, pesquisadores na área de oncologia demonstraram a existência de DNA tumoral livre (cell-free) no plasma de pacientes4.
Estes achados tiveram grande repercussão e estimularam inúmeras
pesquisas que comprovaram a presença do DNA tumoral em diferentes
tipos de neoplasia, sendo atualmente empregadas no diagnóstico
precoce de recidiva e na avaliação do prognóstico5.
Baseados nestes dados, em 1997 Lo et al.6.
demonstraram fenômeno análogo, a presença de DNA fetal no plasma
de mulheres grávidas. Diversos grupos reproduziram estes achados,
demonstrando claramente a superioridade prática do DNA fetal plasmático
em relação às preparações de células fetais isoladas do sangue
materno. Além disso, o isolamento do DNA fetal a partir do plasma
materno é relativamente fácil, barato e permite o processamento
simultâneo de muitas amostras. De fato, a análise quantitativa do DNA
fetal presente no plasma demonstrou que este pode compor até 3-4% do
DNA total, ao passo que as células fetais podem estar presentes no
sangue materno numa proporção igual ou inferior a 1:100.000 células
maternas7.
A
maior parte dos grupos utilizou como marcador de DNA fetal, por
motivos práticos, seqüências do cromossomo Y em grávidas de fetos
masculinos. Uma vez comprovada a reprodutibilidade e sensibilidade do
método, outros alvos estão sendo investigados, entre estes
destaca-se a determinação do genótipo Rh(D)8, a b-talassemia9, a acondroplasia10 e até a síndrome de Down11.
Os trabalhos mais recentes já utilizam técnicas mais modernas de PCR, baseadas em equipamentos de detecção em tempo real (real-time PCR),
atingindo níveis mais altos de sensibilidade e menor risco de
contaminação, devido ao fato de o formato fechado da reação evitar
manipulações analíticas do amplicon12.
Neste
trabalho procuramos desenvolver e adaptar uma técnica de PCR
convencional para determinação do sexo fetal pela análise do plasma
materno, e buscamos avaliar a sensibilidade e especificidade deste
método em uma casuística de 212 mulheres grávidas em diferentes
idades gestacionais.
Pacientes e Métodos
Este
foi um estudo prospectivo não randomizado. As pacientes interessadas
em participar do estudo foram encaminhadas ao Banco de Sangue do
Hospital Sírio Libanês de São Paulo, SP, onde lhes era apresentado o
termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), contendo uma série
de informações sobre o teste. Havendo concordância, a paciente
assinava o TCLE e, logo após, uma amostra de 10 mL de sangue
periférico era coletada. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa do Hospital Sírio Libanês (CEPesq, protocolo
2003/05).
O sangue foi
coletado em tubos PPT (Plasma Preparation Tube, Beckton-Dickinson,
São Paulo, Brasil) e centrifugado por 10 minutos a 1.100 g
(temperatura ambiente). Estes tubos são próprios para análises por
métodos moleculares já que contém EDTA como anticoagulante na forma
sólida, não havendo, portanto, diluição da amostra, o que pode
acarretar erros de estimativa de carga viral, por exemplo, já que os
tubos convencionais usam anticoagulantes líquidos que podem levar a
uma diluição de até 15% da amostra. Após a centrifugação os tubos
eram armazenados a 4oC e encaminhados ao laboratório em
até 48 horas. No laboratório fez-se o isolamento do DNA em duplicatas
de 140 mL de plasma, empregando-se o QIAamp Blood Mini Kit da
Qiagen (Chattlesworth, CA, EUA). Neste método o plasma é submetido a
uma lise enzimática com proteinase K, subseqüentemente é tratado com
um agente caotrópico, o hidrocloreto de guanidina, e este lisado é
finalmente passado através de uma coluna de sílica, que possue
afinidade por ácidos nucléicos. Após sucessivas lavagens o DNA/RNA
aderido à sílica é eluído com tampão adequado, provido no kit. Fizemos a eluição com 75 mL de tampão, portanto cada microlitro de eluato corresponde a aproximadamente 2 mL de plasma.
As alíquotas de DNA isolado foram submetidas à reação de PCR empregando-se os primers Y7/Y8 que amplificam um fragmento de 198 pares de bases da seqüência cópia-única e específica do cromossomo Y DYS1413. Cada extrato foi amplificado também em duplicata. Portanto, cada amostra corresponde a quatro reações de PCR.
Como controle, todos os extratos foram também submetidos à
amplificação de um fragmento de 268 pares de bases do gene da b-globina humana14.
Os produtos de PCR foram observados por meio de eletroforese em gel
de agarose 2% corado com brometo de etídio e as imagens foram
digitalizadas e armazenadas em computador. O padrão de peso molecular
100 bp ladder (Invitrogen, São Paulo, Brasil) foi utilizado para
averiguar-se o tamanho do produto amplificado. A presença de 3 ou 4
bandas correspondendo ao fragmento de 198 pares de bases do
cromossomo Y foi interpretada como indicativo de feto do sexo
masculino.
Resultados
Entre
as 212 amostras coletadas houve 97 resultados de sexo masculino e
115 de sexo feminino. Apenas três amostras apresentaram resultado
errado, todas coletadas de grávidas com menos de 8 semanas de idade
gestacional. Nestes 3 casos, o PCR apontou ausência de amplificação
(= sexo feminino) e, posteriormente, verificou-se tratar de gravidez de
feto masculino. Todos os outros 209 resultados foram corretos,
levando a índice de acerto de 100% em idade gestacional de mais de 8
semanas.
Amostras que apresentaram 1 ou 2 reações positivas, das 4
executadas, foram submetidas à repetição do processo, o que ocorreu
em 10% das amostras.
Discussão
O
método de PCR trouxe nestes últimos 20 anos grandes contribuições às
ciências biológicas, incluindo a medicina. Trata-se de técnica
relativamente simples, rápida, barata e de grande sensibilidade. Este
trabalho vale-se principalmente desta última característica, que
deriva da amplificação exponencial de um fragmento de DNA, ao longo
dos ciclos da reação. A definição do fragmento a ser amplificado
tornou-se mais simples com os avanços das técnicas de seqüenciamento e
os dados provindos dos diferentes projetos Genoma, disponibilizando o
acesso às seqüências de DNA, empregadas na produção do reagente
específico da PCR que são os primers.
A
enorme sensibilidade da PCR permite detectar pequenas quantidades de
DNA fetal presente no plasma materno. Este DNA provém de diferentes
tipos de células fetais, mas no plasma materno ocorre enriquecimento
deste DNA fetal, cuja quantidade aumenta conforme a evolução da
gravidez7. No entanto, não é possível separar-se o DNA
fetal do DNA materno igualmente presente no plasma, mas em maiores
quantidades. Portanto, o diagnóstico do genótipo fetal só é possível
quando este for diferente do materno. No caso específico da sexagem
fetal, não há necessidade de conhecimento do genótipo materno, a priori,
já que obviamente mãe e filho diferem quanto à presença do
cromossomo Y. Outra situação evidente é o caso de mães Rh negativas,
pois sabe-se que este fenótipo é causado por deleção quase completa
do gene RhD. Havendo a detecção deste gene infere-se que o feto é Rh positivo15.
Outras situações específicas irão provavelmente requerer a análise
dos genótipos materno e paterno, para a execução e avaliação do teste16.
A determinação do sexo fetal vem sendo descrita por laboratórios de diferentes países, com resultados muito precisos17,18.
Pesquisadores franceses trabalharam com 121 amostras de mulheres no
primeiro trimestre da gravidez (média = 11,8 semanas), obtendo 100%
de concordância17, enquanto no Japão, o grupo de Sezikawa et al.18
analisou 302 amostras de mulheres com gravidez entre a 7ª e a 16ª
semana, havendo erro em apenas 4 resultados, todos falso-negativos,
ou seja, não se detectou a presença de DNA do cromossomo Y, mas o
feto era masculino. Nestes casos as pacientes estavam com 9 (2
pacientes), 11 e 13 semanas de gestação, respectivamente.
Todos
trabalhos ressaltam que se trata de técnica sujeita a variações,
parte desta derivando dos métodos de coleta e preparo do DNA19, da escolha dos primers de
PCR e da metodologia de PCR propriamente. A técnica aqui descrita
teve que ser aprimorada ao longo de quatro anos até atingir o atual
formato e índice de acerto descrito, permitindo seu uso rotineiro.
Com a utilização de metodologias ainda mais rápidas e sensíveis de
PCR, como o PCR em tempo real, devem-se obter índices de acerto ainda
maiores, inclusive em fases precoces da gravidez, ou seja, antes da
8ª semana. Além disso, os resultados das pesquisas em curso no
momento permitirão sem dúvida, no futuro próximo, o uso clínico
destes testes, reduzindo a necessidade de técnicas invasivas de
amostragem20.
LEVI, José Eduardo; WENDEL, Silvano; TAKAOKA, Deise Tihe.
Determinação pré-natal do sexo fetal por meio da análise de DNA no plasma materno. Rev. Bras. Ginecol. Obstet.,
Rio de Janeiro,
v. 25,
n. 9,
2003
.
Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032003000900011&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em
28
nov.
2012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-72032003000900011.
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